Sinceramente, relutei muito em aceitar que o
estágio seria online, pensei em trancar algumas vezes, ou fazê-lo de forma
estritamente teórica, visto que nos foi dada esta opção. Mas não fiquei
confortável com a ideia de participar de uma disciplina de educação tão prática
quanto é o estágio, sem ter o mínimo de contato com os alunos. Nunca foi minha
intenção aprender a dar aula, ou preparar uma aula pensando em mim, nunca foi
sobre isso e acredito que nunca vai ser. Dar aula é sempre sobre comunicação,
sobre dar e receber. Então, fazer estágio sem saber em que pé os alunos estão
na aprendizagem durante a pandemia, sem saber como eles utilizam o ambiente
virtual que foi disponibilizado, não me pareceu uma boa opção.
Porém,
como já era esperado, o estágio este semestre foi completamente diferente de
qualquer outra experiência que tivemos antes no ensino. No meu caso, não
conhecia a escola, na verdade, nunca sequer cheguei perto da escola na qual
estes alunos estão matriculados, não conheci pessoalmente a professora que acompanhei,
não vi o rosto de nenhum dos alunos, sequer vi metade dos alunos aparecerem na
aula síncrona. Não sei como eles se comportam em sala, quais são os mais
conversadores ou os mais tímidos, também não sei se a professora é mais do tipo
que escreve muito no quadro ou se apresenta slides. Portanto, a ideia de tentar
conhecer quase por completo como se dá o ensino e a aprendizagem neste momento
foi ambiciosa demais. Mas, o que eu sei é que o esforço é tremendo, de todos os
lados, para fazer a transmissão de conhecimento acontecer dessa forma.
1. Antes do estágio
Uma das
primeiras coisas a se preocupar no estágio são os documentos necessários e
conseguir as assinaturas de todas as partes envolvidas, universidade,
estagiário, departamento, regional de ensino e escola. Antes o que se fazia era
levar em mãos os papéis para coletar assinaturas de cada uma dessas partes. O
que obviamente não daria para ser feito enquanto todos estão sob recomendações
de distanciamento social.
Então
encontramos uma das primeiras dificuldades, o preparo dos documentos. Sabia-se
que para eles ficarem prontos, todas as instituições envolvidas deveriam entrar
em um acordo de como este processo iria acontecer, e isso levou um tempo
considerável. Neste novo meio de organizar a documentação, percebe-se que
apesar de todos os enormes pesares, fez-se um jeito diferente de resolver
burocracias antigas, cuja principal reclamação era justamente a falta de
praticidade. Pois, ter de levar os documentos pessoalmente em todos os lugares
nos tomava uma quantidade de tempo relevante, e o principal questionamento era de
o porquê desse procedimento não ser feito online. Com a situação pandêmica
vimos que é possível, as circunstâncias caóticas nos obrigaram achar uma
solução para algo que já era um problema, mas que com a pandemia se tornou, de
fato, uma impossibilidade.
Tais trâmites burocráticos nos fizeram
exercitar as atividades típicas do estágio de outras formas. Formulando
atividades que consideramos ser adequadas para alunos de ensino médio,
dedicamos também um tempo para aprender como funciona a plataforma Google Sala
de Aula, o qual é o meio utilizado pela Secretaria de Educação do Distrito
Federal. Explorar as plataformas antes de começar o estágio foi importante para
estarmos familiarizados com este ambiente virtual que seria parte da nossa
realidade no futuro. Fizemos atividades para nossos colegas de turma
responderem, pensando em como relacionar as questões da COVID-19 com a
filosofia, uma vez que sempre insistimos que a partir da filosofia se pode
pensar sobre tudo.
O fato de
a turma de estágio estar sempre em contato facilitou a experiência, afinal, se
não fosse dessa forma alguns de nós teria muito mais dificuldade para
acompanhar as atividades e, inclusive para encontrar um professor que nos
recebesse em suas aulas. No meu caso mesmo, se não fosse um colega colocando no
grupo a informação de que a professora de uma escola pública estava
disponível para nos acolher, talvez tivesse demorado mais.
2. Durante
o Estágio
Uma vez
que os problemas com a documentação estavam resolvidos, a professora me avisou
que eu já poderia participar das aulas e assim foi. Ela estava dando aula nos
modelos da semestralidade, no qual os alunos têm aulas de filosofia em apenas
um semestre do ano com quatro aulas por semana, e do novo ensino médio, em duas
disciplinas eletivas de filosofia. Suas turmas eram de 1º e 2º ano do ensino
médio no turno vespertino.
O choque
de realidade e o alinhamento de expectativas veio logo na primeira aula, do 2º
ano, quando cheguei à chamada de vídeo esperando ver uma turma cheia, e me
deparo com cinco alunas. Depois a professora relatou que no ensino remoto era
sempre assim, o que nos faz imaginar várias possibilidades para um ocorrido
como este. Pois, pensar que é mero desinteresse dos alunos é ser simplista
demais. A internet deles pode não funcionar direito, alguns sequer têm internet
em casa, eles podem estar ocupados ajudando em atividades domésticas e claro,
pode ser também o desinteresse. Mas, ainda assim, tal desânimo pode vir de
muitos lugares, pode vir principalmente deste momento do mundo, no qual ninguém
está tranquilo e inteiramente centrado, seja aluno ou professor. Além disso, as
aulas ficam gravadas, o que lhes permite vê-las a hora que quiserem e fazer
seus horários, portanto, eles perdem a interação ao vivo com os colegas e a
professora, mas não perdem conteúdo por não comparecerem na aula síncrona.
Logo, aulas seguiram desse modo, com pouquíssimos alunos, o encontro em que
estavam presentes mais pessoas, contava com doze alunos numa turma de 1º ano.
Nas
turmas de matérias eletivas apareciam ainda menos estudantes, em uma delas
costumava ter em torno de quatro alunos e em outra apenas um. Ponto importante
sobre as matérias eletivas é que elas não contam com material didático pronto,
os professores responsáveis por tais disciplinas devem produzir o material, o
que aumenta substancialmente a carga de trabalho. Ou seja, além da orientação
que recebem para que após todas as aulas se tenha uma atividade, os
profissionais do novo ensino médio têm de pensar no conteúdo, elaborar e
disponibilizar um material e uma atividade para todas as aulas. Dada nossa
realidade atual, estamos autorizados a constatar que estudantes e professores
estão sobrecarregados.
Em
relação as atividades feitas para os alunos, tive a oportunidade de desenvolver
um material para o 2º ano sobre filosofia medieval. Foi proposto em aula para
que os alunos assistissem o filme O nome da rosa, baseado no livro de
mesmo nome do Umberto Eco. Com isso, fiquei responsável por preparar uma fala
para os alunos sobre o filme, abordando a forma que o conhecimento era
realizado na Idade Média, como encaravam a filosofia na época e o papel da
Igreja no que diz respeito a produção de conhecimento. A ideia era falar um
pouco sobre isso em uma aula síncrona, no entanto, nenhum aluno compareceu, então
apenas o material escrito foi postado para eles junto com uma atividade do
livro didático.
Por fim, as
outras atividades do estágio se resumem a conhecer a sala de aula das turmas no
Google Sala de Aula, assistir algumas aulas gravadas e observar a atividades
realizadas dos alunos. Quanto as atividades, percebe-se que muitos deixam para
fazer de última hora, outros simplesmente não fazem, mas algumas que tive
oportunidade de ver demonstravam esforço, é possível perceber que realmente
pararam para pensar e responder.
3. Depois
do Estágio
Assim
como tudo este ano, meu estágio terminou de uma maneira não usual. A professora
que estava acompanhando foi devolvida à regional de ensino para a alocação de
outro professor, a notícia foi recebida com surpresa. Por isso finalizei antes
do esperado e de forma inesperada. Quando acontece de um professor sair assim
para outro entrar, a orientação é que se dispense os estagiários a fim de que o
novo professor não fique sobrecarregado. Consequentemente, fui dispensada, mas
sem grandes prejuízos a experiência como um todo.
Uma coisa
necessária para os interessados em lecionar aprenderem, internalizarem e nunca
mais esquecerem, é que nós escolhemos estudar filosofia, aqueles adolescentes
que sentam em suas carteiras para nos ouvir, não escolheram. As vezes é difícil
aceitar que o que temos a dizer pode não ser interessante. No final de todo
este percurso vemos o quão difícil é ganhar a atenção dos estudantes, pois uma
vez que sua frequência e participação não são obrigatórias, eles não se
envolvem. O que nos leva a questionar se quando eles iam à escola, se estavam
realmente lá, com a mente presente, e o que pode tornar o estudo desmotivador
para eles. Afinal, a culpa dificilmente é só de um lado, é preciso compreensão
para ganharmos os alunos de volta, é preciso querer se aproximar.
No fim
das contas, se uma matéria não conversar com os alunos, não falar sobre nada
que eles conhecem, é muito mais difícil gerar interesse, nossa disciplina
também precisa dialogar com seu tempo. Por exemplo, se a filosofia não tiver
nada a dizer sobre a pandemia e todos os problemas socias, morais, psicológicos
que ela gera, então quer dizer que a filosofia não conversa com o que é atual,
logo, não irá gerar identificação. Tanto é que, quando foi feita uma discussão
sobre Hipátia e mulheres filósofas, tivemos mais engajamento das meninas
presentes, porque quando você se reconhece num problema colocado, a curiosidade
vem naturalmente. Ainda que a Hipátia não seja uma contemporânea, o que quer dizer que não
há a necessidade de ignorar a tradição para tornar o conteúdo mais atrativo,
mais palatável para o adolescente no ensino médio.
Considerações
finais
É sempre
incrível ver pessoas se esforçando para fazer a educação acontecer em um país
como o nosso, que por tantas vezes a negligencia. Ver professores dedicados nos
faz acreditar que é possível fazer alguma diferença.
Todavia, percebe-se também que todos estão exaustos e abarrotados de coisas para fazer. Porque as instituições parecem cobrar desses professores e alunos uma produtividade impraticável para este ano. Isso se transforma num ciclo vicioso que adoece a todos. Dado que, a instituição cobra do professor, que cobra do aluno e este não dá o resultado que é esperado, o que gera mais cobrança. Assim ficamos numa roda eterna de exigências impossíveis.
Sem respostas definitivas para a nossa situação, concluo o estágio com o sentimento de que fizemos o que pudemos, mas com a consciência de que é sempre possível melhorar e se reinventar. Pois, os tempos sombrios pelos quais estamos passando, além de provocar sofrimento, também ensinam e, mais do que nunca, é importante aprender a ter empatia com todos os envolvidos neste processo.
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